O que Elena Ferrante tem a dizer sobre a escrita?
- As margens e o ditado: compilado de ensaios que detalham sua relação com a leitura e com a escrita; e
- Frantumaglia: outro compilado, dessa vez composto por cartas (enviadas e não enviadas) e as poucas entrevistas que a Elena concedeu durante sua jornada como escritora.
⚠ Para quem não sabe, Elena Ferrante é um pseudônimo (ou pen name). A escritora nunca revelou sua verdadeira identidade, nunca compareceu a sessões de autógrafos ou qualquer tipo de evento literário. Isso vai ser importante para entender o restante do post.
Como vocês previram nos comentários, a experiência não deu muito certo. Durante a leitura de ambos os livros, eu me senti péssima. Elena discorre sobre seus livros, a literatura, as artes clássicas, o feminismo, as diferenças entre os personagens femininos escritos por homens e por mulheres, as influências da predominância masculina na escrita, a política, a essência do texto, o contexto em que a história acontece, o protagonismo (da história, dos personagens, do contexto), o que deve ser sentido, mas não explicitamente escrito... A lista segue.
P: Ela fala sobre tudo isso?
R: Sim!
Sinto que nunca conseguirei explicar a complexidade dos pensamentos da Elena e a profundidade das suas reflexões. Essa montanha de informações apresentadas com distinção e inteligência fizeram com que eu me sentisse burra e incompetente. Conheço meus limites e sei que nunca serei capaz de escrever algo com essa profundidade.
Entrei em um estado de desânimo e demorei muito para terminar
Frantumaglia - e é por isso que esse post demorou tanto para sair. As coisas só "melhoraram" na terceira parte do livro (mais especificamente no
Capítulo 6. Mulheres que escrevem: Respostas às perguntas de Sandra, Sandro e Eva), em que me identifiquei muito com as opiniões da autora. O trecho desse capítulo que mais me marcou foi:
[...] Tenho histórias nunca publicadas nas quais o cuidado formal foi altíssimo, eu não conseguia ir adiante se cada linha já escrita não me parecesse perfeita. Quando isso acontece, a página é bonita, mas a narrativa é falsa. Quero insistir nesse ponto, é algo que conheço bem: a história segue em frente, me agrada, em geral a termino. Mas, de fato, não é contar uma história que me dá prazer. O prazer - logo descubro - está todo na obsessão de dizer bem, no tornear as frases como uma maníaca. Eu diria, aliás, pelo menos no que se refere a mim, que, quanto mais atenção em relação à frase, com mais dificuldade brota a história. O estado de graça começa quando a escrita só se preocupa em não perder a história.
Pontos positivos: as reflexões que ela faz sobre personagens femininas, a escrita produzida por mulheres e a influência que as leituras exercem na escrita.
Pontos negativos: os jornalistas questionando o porquê de ela se manter no anonimato. As perguntas são repetitivas e as respostas são sempre as mesmas.
O que aprendi:
- Nossa escrita é um produto de tudo o que lemos e não podemos fugir disso;
- Escrever ficção sem exprimir um pouco da realidade é impossível. O livro, por mais fantasioso que seja, é um reflexo de seu escritor;
- "[...] para quem ama escrever, o tempo da escrita nunca é desperdiçado";
- No mercado editorial, é como se escrever nunca pudesse ser uma atividade fim, apenas uma consequência intermediária de qualquer outra atividade "principal" (sempre "um profissional que escreveu um livro", nunca um escritor) - e isso é um saco!