18/01/2024

ferrante

 O que Elena Ferrante tem a dizer sobre a escrita?
 
 
Dando continuidade ao projeto "ouvindo o que os escritores têm a dizer sobre a escrita", li os dois livros de não ficção escritos pela Elena Ferrante:
  • As margens e o ditado: compilado de ensaios que detalham sua relação com a leitura e com a escrita; e
  • Frantumaglia: outro compilado, dessa vez composto por cartas (enviadas e não enviadas) e as poucas entrevistas que a Elena concedeu durante sua jornada como escritora.

Para quem não sabe, Elena Ferrante é um pseudônimo (ou pen name). A escritora nunca revelou sua verdadeira identidade, nunca compareceu a sessões de autógrafos ou qualquer tipo de evento literário. Isso vai ser importante para entender o restante do post.
 
Como vocês previram nos comentários, a experiência não deu muito certo. Durante a leitura de ambos os livros, eu me senti péssima. Elena discorre sobre seus livros, a literatura, as artes clássicas, o feminismo, as diferenças entre os personagens femininos escritos por homens e por mulheres, as influências da predominância masculina na escrita, a política, a essência do texto, o contexto em que a história acontece, o protagonismo (da história, dos personagens, do contexto), o que deve ser sentido, mas não explicitamente escrito... A lista segue.
 
P: Ela fala sobre tudo isso?
R: Sim!
 
Sinto que nunca conseguirei explicar a complexidade dos pensamentos da Elena e a profundidade das suas reflexões. Essa montanha de informações apresentadas com distinção e inteligência fizeram com que eu me sentisse burra e incompetente. Conheço meus limites e sei que nunca serei capaz de escrever algo com essa profundidade.

Entrei em um estado de desânimo e demorei muito para terminar Frantumaglia - e é por isso que esse post demorou tanto para sair. As coisas só "melhoraram" na terceira parte do livro (mais especificamente no Capítulo 6. Mulheres que escrevem: Respostas às perguntas de Sandra, Sandro e Eva), em que me identifiquei muito com as opiniões da autora. O trecho desse capítulo que mais me marcou foi:
[...] Tenho histórias nunca publicadas nas quais o cuidado formal foi altíssimo, eu não conseguia ir adiante se cada linha já escrita não me parecesse perfeita. Quando isso acontece, a página é bonita, mas a narrativa é falsa. Quero insistir nesse ponto, é algo que conheço bem: a história segue em frente, me agrada, em geral a termino. Mas, de fato, não é contar uma história que me dá prazer. O prazer - logo descubro - está todo na obsessão de dizer bem, no tornear as frases como uma maníaca. Eu diria, aliás, pelo menos no que se refere a mim, que, quanto mais atenção em relação à frase, com mais dificuldade brota a história. O estado de graça começa quando a escrita só se preocupa em não perder a história.
Pontos positivos: as reflexões que ela faz sobre personagens femininas, a escrita produzida por mulheres e a influência que as leituras exercem na escrita.

Pontos negativos: os jornalistas questionando o porquê de ela se manter no anonimato. As perguntas são repetitivas e as respostas são sempre as mesmas.
 
O que aprendi: 
  • Nossa escrita é um produto de tudo o que lemos e não podemos fugir disso;
  • Escrever ficção sem exprimir um pouco da realidade é impossível. O livro, por mais fantasioso que seja, é um reflexo de seu escritor;
  • "[...] para quem ama escrever, o tempo da escrita nunca é desperdiçado";
  • No mercado editorial, é como se escrever nunca pudesse ser uma atividade fim, apenas uma consequência intermediária de qualquer outra atividade "principal" (sempre "um profissional que escreveu um livro", nunca um escritor) - e isso é um saco!

4 comentários

  1. Eu ADOREI esse post!!! Talvez eu devesse ler também, mas agora tô com medo de pegar a bad da incompetência. Obrigada por compartilhar suas reflexões e apontamentos sobre o livro, todos extremamente pertinentes

    ResponderExcluir
  2. Olha, eu acho que a experiência deu certo sim, só não foi como você previa hehe Você trouxe reflexões muito boas sobre o ato de escrever. Adorei o trecho que destacou, acho que muitos que escrevem (qualquer coisa, não só livros) vão se identificar.
    https://varokina.blogspot.com/

    ResponderExcluir
  3. Eu estou doida para ler a série Napolitana esse ano, li a postagem cheia de curiosidade por esse motivo também rs, talvez a experiência com essas leituras não tenha sido lá muito ruim, pois você trouxe boas reflexões, sua impressão ao todo que talvez não tenha atingido com as expectativas, mas espero que tenha valido a pena no geral! ;u;

    Abraços,
    Bia

    ResponderExcluir
  4. vou concordar com os comentários acima e dizer que também acho que valeu a pena e te trouxe experiências e reflexões únicas. o caminho nem sempre é linear e positivo. acredito que faz parte de ser escritora, leitora, artista. tudo que requer criatividade tem seus momentos e descobertas. nada nunca é universal. continue na sua jornada! <3

    ResponderExcluir

n'arte morta. Design by Fearne.
copyright© : Todos os direitos reservados